Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Poesia

Tudo é o olhar

  “Não te amo mais. Estarei mentindo dizendo que Ainda te quero como sempre quis. Tenho certeza que Nada foi em vão. Sinto dentro de mim que Você não significa nada. Não poderia dizer jamais que Alimento um grande amor. Sinto cada vez mais que Já te esqueci! E jamais usarei a frase Eu te amo! Sinto, mas tenho que dizer a verdade É tarde demais..." (Clarice Lispector)

A Nau

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Império, Foi-se a última nau, ao sol aziago Erma, e entre choros de ânsia e de pressago Mistério. Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve? Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve. Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou ’spaço, Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna. Não sei a hora, mas sei que há a hora, Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mistério. Surges ao sol em mim, e a névoa finda: A mesma, e trazes o pendão ainda Do Império. In Mensagem  de Fernando Pessoa Na primeira hora de Mercúrio de um dia de Mercúrio e de Santa Matilde, S. Panteano e S. Isabel da Hungria

O Infante a propósito do Imperador

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! in Mensagem de Fernando Pessoa Na segunda hora de Mercúrio de um dia de Vénus e de S. Cândido, S. Maximiano e s. Francisco de Borja

Epitáfio de Bartolomeu Dias

E a propósito da carta  A Força  e o signo Leão: Jaz aqui, na pequena praia extrema, O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. in Mensagem de Fernando Pessoa Na primeira hora de Sol de um dia de Marte e de Nossa Senhora dos Mártires e S. Pedro Regalado  

O mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-Rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-Rei D. João Segundo!» Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as repreendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!» in Mensagem  de Fernando P...

Adeus

Tudo será construído no silêncio, pela força do silêncio, mas o pilar mais forte da construção será uma palavra. Tão viva e densa como o silêncio e que, nascida do silêncio, ao silêncio conduzirá. António Ramos Rosa, in  O aprendiz secreto Na segunda hora de Vénus

O Luar quando Bate na Relva

O luar quando bate na relva Não sei que cousa me lembra... Lembra-me a voz da criada velha Contando-me contos de fadas. E de como Nossa Senhora vestida de mendiga Andava à noite nas estradas Socorrendo as crianças maltratadas ... Se eu já não posso crer que isso é verdade, Para que bate o luar na relva? Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos - Poema XIX Na primeira hora de Sol de um dia de Saturno e de S. Mateus, Santa Efigénia e S. Mauro

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes: asas no exílio dum corpo.  Os braços calhas cintilantes  para o comboio da alma.  E os olhos emigrantes  no navio da pálpebra  encalhado em renúncia ou cobardia.  Por vezes fêmea. Por vezes monja.  Conforme a noite. Conforme o dia.  Molusco. Esponja  embebida num filtro de magia.  Aranha de ouro  presa na teia dos seus ardis.  E aos pés um coração de louça  quebrado em jogos infantis.  Natália Correia, Poesia Completa Era um dia de Vénus e de S. Filipe, S. Lourenço Justiniano e S. Maurílio

A Realidade é apenas real e não pensada.

O único mistério do Universo é o mais e não o menos. Percebemos demais as cousas – eis o erro, a dúvida. O que existe transcende para mim o que julgo que existe A Realidade é apenas real e não pensada. Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos Na segunda hora de Saturno de um dia de Mercúrio e de Santa Teodora, S. Jacinto e S. Emiliano

Day 34 "A concha"

A minha casa é concha. Como os bichos Segreguei-a de mim com paciência: Fachada de marés, a sonho e lixos, O horto e os muros só areia e ausência. Minha casa sou eu e os meus caprichos. O orgulho carregado de inocência Se às vezes dá uma varanda, vence-a O sal que os santos esboroou nos nichos. E telhados de vidro, e escadarias Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso! Lareira aberta ao vento, as salas frias. A minha casa... Mas é outra a história: Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço, Sentado numa pedra de memória. Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso Era um dia de Sol e de S. Luís de França e S. Gelásio

Day 15 "em Viagem"

Para além da curva da estrada Talvez haja um poço, e talvez um castelo, E talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva Só olho para a estrada antes da curva, Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. De nada me serviria estar olhando para outro lado E para aquilo que não vejo. Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Se há alguém para além da curva da estrada, Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. Essa é que é a estrada para eles. Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Por ora só sabemos que lá não estamos. Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva Há a estrada sem curva nenhuma. Alberto Caeiro, in Poemas Inconjuntos Era um dia de S. Agapito, S. Justo e S. Domingos de Gusmão

Day 7 "poesia"

O corpo nu, quase estranho agora, adormecido. Contra o muro floresce o limoeiro; do outro lado, liso, limpo, o mar: quase no fim. Na púrpura da pedra, o fogo dorme. Sem mim. Eugénio de Andrade in O peso da sombra Na segunda hora de Saturno de um dia de Lua e S. Marta, S. Olavo, S. Simplício, S. Faustino e S. Beatriz

O Amor, Meu Amor e O que é o Amor?

Para concluir a semana dos Amantes, onde andámos bem entretidos nas questões amorosas que ocupam o nosso coração e mente. Fica aqui um vídeo que considerei bastante interessante e um poema de um dos meus escritores preferidos. Espero que a semana tenha sido proveitosa nestas questões. E que em última instância tenhamos conseguido fazer o casamento alquímico dentro de nós, unido os nossos amantes, mente e coração. Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água e tudo quanto nasce e vive além do tempo. Minhas pernas são água, as tuas são luz e dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro. E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer. E toco-te para deixares de ter corpo e o meu corpo nasce quando se extingue no teu. E respiro em ti para me sufocar e espreito em tua claridade para me cegar, meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida. Tu me bebes e eu me converto na tua sede. Meus lábios mo...

A Melhor Maneira de Viajar é Sentir

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras. Sentir tudo excessivamente, Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas E toda a realidade é um excesso, uma violência, Uma alucinação extraordinariamente nítida Que vivemos todos em comum com a fúria das almas, O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos. Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, Quanto mais personalidade eu tiver, Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, Estiver, sentir, viver, for, Mais possuirei a existência total do universo, Mais completo serei pelo espaço inteiro fora. Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for, Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo, E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco. Cada alma é uma escada para Deus, Cada alma é um corred...

O Último Sortilégio

Já repeti o antigo encantamento, E a grande Deusa aos olhos se negou. Já repeti, nas pausas do amplo vento, As orações cuja alma é um ser fecundo. Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. Só o vento volta onde estou toda e só, E tudo dorme no confuso mundo. Outrora meu condão fadava as sarças E a minha evocação do solo erguia Presenças concentradas das que esparsas Dormem nas formas naturais das coisas. Outrora a minha voz acontecia. Fadas e elfos, se eu chamasse, via, E as folhas da floresta eram lustrosas. Minha varinha, com que da vontade Falava às existências essenciais, Já não conhece a minha realidade. Já, se o círculo traço, não há nada. Murmura o vento alheio extintos ais, E ao luar que sobe além dos matagais Não sou mais do que os bosques ou a estrada. Já me falece o dom com que me amavam. Já me não torno a forma e o fim da vida A quantos que, buscando-os, me buscavam. Já, praia, o mar dos braços não me inunda. Nem já me vejo ao sol saudado erguida, O...

A Eterna Presença

Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a relva, de olhos postos no céu, e reparo, com alegria, que as dimensões do infinito não me perturbam. (O infinito! Essa incomensurável distância de meio metro que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!) O que me perturba é que o todo possa caber na parte, que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote. O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim, de mim, pobre de mim, que sou parte do todo. E em mim continuaria a caber se me cortassem braços e pernas porque eu não sou braço nem sou perna. Se eu tivesse a memória das pedras que logo entram em queda assim que se largam no espaço sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair; se eu tivesse a memória da luz que mal começa, na sua origem, logo se propaga, sem que nenhuma se esquecesse de propagar; os meus olhos reviveriam os dinossáurios que caminharam sobre a Terra, os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos oceanos que en...

Revolução

Revolução isto é: descobrimento  Mundo recomeçado a partir da praia pura  Como poema a partir da página em branco  — Catarsis emergir verdade exposta  Tempo terrestre a perguntar seu rosto Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas Na primeira hora de Sol do dia de Lua, S. Marcos, S. Aniano

Cada árvore é um ser para ser em nós

(foto por Shin Tau) Cada árvore é um ser para ser em nós Para ver uma árvore não basta vê-la a árvore é uma lenta reverência uma presença reminiscente uma habitação perdida e encontrada À sombra de uma árvore o tempo já não é o tempo mas a magia de um instante que começa sem fim a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas e de sombras interiores nós habitamos a árvore com a nossa respiração com a da árvore com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses António Ramos Rosa O ritual do Equinócio está para consulta aqui . Este ano, introduzi-lhe o ritual do lançamento de cartas para orientação ao longo do ano astrológico. A força do lançamento foi diferente...vamos ver que frutos serão colhidos desta plantação. A todos, um excelente ano! Na terceira hora de Júpiter do dia de Lua, S. Bento, S. Nicolau de Flue

Como O Rumor

Como o rumor do mar dentro dum búzio O divino sussurra no universo Algo emerge: primordial projecto. (foto por Shin Tau)                 Sophia de Mello Breyner Na primeira hora de Mercúrio no dia de Marte, S. Henrique, S. Zacarias, S. Longuinhos

O Chamado da Primavera

Depois do Inverno, morte figurada,  A primavera, uma assunção de flores.  A vida  Renascida  E celebrada  Num festival de pétalas e cores.  Miguel Torga (foto por Shin Tau)  Olhos postos na terra, tu virás  no ritmo da própria primavera,  e como as flores e os animais  abrirás as mãos de quem te espera.                  Eugénio de Andrade Na terceira hora de Sol do dia de Marte, S. Adrião, S. Albino, S. David, S. Rosendo