Finis de William Hogarth
Terminei. Ponto final.
Resta-me o céu estrelado
E as rosas do meu quintal.
Subi a montanha escura
Da Vida... Enorme ascensão:
Uns quatro metros d’altura
Acima do rés-do-chão.
Lançando um olhar profundo
Dessa altura sobre-humana,
Vi quanto é pequeno o mundo
E grande a miséria humana
Vi a Traição e a Cobiça
Fazendo festins reais
No corpo nu da Justiça,
Às portas dos tribunais.
Belo como um Lacoonte,
Vi um titã nas galés:
Trazia a aurora na fronte
E uma grilheta nos pés.
Cheio de dor e respeito,
Vendo esse herói, perguntei:
- Qual o teu nome? – O Direito.
- Qual o teu carrasco? – A Lei.
Perante o pobre e o humilde,
Vi sempre o Deus Sabaoth
Mandar mais oiro a Rotschild,
Mandar mais esterco a Job.
Vi que a história, um sonho breve,
Na noite imensa e voraz,
Se é tácito quem a escreve,
É Tibério quem a faz.
Vi que o “rei da criação”
Foi, antes de ser o que é,
Lodo, esponja, tubarão,
Réptil, condor, chimpanzé,
E que guarda (são baixezas
Dessa origem que o infama),
Nas mãos o sinal das presas,
Na alma os sinais da lama.
Vi que o Mal do Bem se nutre,
E que o Destino dispôs
Para um Prometeu o abutre,
E para um Cristo um algoz.
Guia-me apenas, distante,
A luz ingénua da Crença,
Vaga nebulosa errante
Nas trevas da noite imensa...
Por isso vim solitário
Envolto, como eremitão,
No rude burel mortuário
Dum panteísta cristão,
Cheio de tédio profundo,
Enclausurar-me afinal,
Longe, bem longe do mundo
No in-pace do meu quintal.
Rodeei-o com segurança
D’altas muralhas sombrias,
Para ter por vizinhança
As nuvens e as cotovias.
Mandei erguê-las, erguê-las
Essas muralhas ao ar,
Para que só as estrelas
Me pudessem ver chorar...
Eu quero ao menos, de rastros,
Nos últimos estertores,
Olhar o céu, e ver astros,
Olhar a terra, e ver flores.
Este exílio a que submeto
Minh’alma nesta clausura,
É como que um lazareto
Às portas da sepultura.
Deixei só a fresta escassa
Por onde caiba à vontade
De fora a mão da Desgraça,
De dentro a mão da Piedade....
Guerra Junqueiro, Poesias Dispersas
Na terceira hora de Marte do dia de Lua, S. Nicolau
Fazendo festins reais
No corpo nu da Justiça,
Às portas dos tribunais.
Belo como um Lacoonte,
Vi um titã nas galés:
Trazia a aurora na fronte
E uma grilheta nos pés.
Cheio de dor e respeito,
Vendo esse herói, perguntei:
- Qual o teu nome? – O Direito.
- Qual o teu carrasco? – A Lei.
Perante o pobre e o humilde,
Vi sempre o Deus Sabaoth
Mandar mais oiro a Rotschild,
Mandar mais esterco a Job.
Vi que a história, um sonho breve,
Na noite imensa e voraz,
Se é tácito quem a escreve,
É Tibério quem a faz.
Vi que o “rei da criação”
Foi, antes de ser o que é,
Lodo, esponja, tubarão,
Réptil, condor, chimpanzé,
E que guarda (são baixezas
Dessa origem que o infama),
Nas mãos o sinal das presas,
Na alma os sinais da lama.
Vi que o Mal do Bem se nutre,
E que o Destino dispôs
Para um Prometeu o abutre,
E para um Cristo um algoz.
Guia-me apenas, distante,
A luz ingénua da Crença,
Vaga nebulosa errante
Nas trevas da noite imensa...
Por isso vim solitário
Envolto, como eremitão,
No rude burel mortuário
Dum panteísta cristão,
Cheio de tédio profundo,
Enclausurar-me afinal,
Longe, bem longe do mundo
No in-pace do meu quintal.
Rodeei-o com segurança
D’altas muralhas sombrias,
Para ter por vizinhança
As nuvens e as cotovias.
Mandei erguê-las, erguê-las
Essas muralhas ao ar,
Para que só as estrelas
Me pudessem ver chorar...
Eu quero ao menos, de rastros,
Nos últimos estertores,
Olhar o céu, e ver astros,
Olhar a terra, e ver flores.
Este exílio a que submeto
Minh’alma nesta clausura,
É como que um lazareto
Às portas da sepultura.
Deixei só a fresta escassa
Por onde caiba à vontade
De fora a mão da Desgraça,
De dentro a mão da Piedade....
Guerra Junqueiro, Poesias Dispersas
Na terceira hora de Marte do dia de Lua, S. Nicolau
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