Esta semana estive em reflexão sobre o filme Blindness, adaptação do livro Ensaio sobre a cegueira de José Saramago.
Este filme era aguardado por mim com alguma ansiedade, pois tinha adorado o livro e mal conseguia esperar por ver o que Fernando Meirelles, realizador interessante que nos deu A Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro, iria conseguir fazer com esta obra-prima da literatura portuguesa.
Apesar desta minha disponibilidade não deixei de ficar um pouco decepcionada. O realizador que nos provou ser capaz de caracterizar personagens interessantes nos seus primeiros filmes, falha aqui exactamente nisso. Na minha opinião este filme não é um filme de personagens interessantes, as relações que elas estabelecem são pouco desenvolvidas o que faz com que algumas cenas sejam descontextualizadas e percam as suas intenções, por exemplo, no fim o pedido do homem de olho vendado à prostituta não se percebe, a não ser que se tenha lido o livro e se conheça melhor a história.
Quando li o livro, há muitos anos atrás, houve alguns assuntos que permaneceram na minha mente durante muito tempo, o conceito político das sociedades actuais, as necessidades que temos de regras e de organização, mas depois de ver o filme houve algo que me saltou à vista e que sobre o qual nunca tinha pensado.
O que nos move a ajudar os outros? Será altruísmo ou egoísmo? E quando eles já não necessitam de nós, como nos sentimos? Livres ou abandonados?
Este filme debruça-se muito sobre a perspectiva da mulher do médico, o seu papel enquanto manipuladora de tudo o que acontece com os cegos, de como ela consegue anular-se pelo marido mas, ao mesmo tempo, acabar por o comandar. Em verdade, quando li o livro não me fui capaz de identificar com uma única personagem, facto, creio, intencional pois nenhuma tem nome, falta-lhes esse lado individualista, mas desta vez a ligação com esta mulher é inevitável. Afinal ela é a única que vê, como nós (será que vemos mesmo, não estaremos todos cegos?).
Assim, não posso deixar de reflectir sobre estas perguntas. Ajudamos mesmo os outros por opção ou por falta dela? O que iria fazer aquela esposa sem o marido? Ela teve mesmo escolha ou foi por não saber o que fazer sem ele que foi acompanhá-lo? Estava mesmo a ser altruísta ou foi por puro egoísmo? Habituada a ser dona de casa e a fazer apenas isso, a esposa vê-se rodeada de gente que precisa dela, há uma situação em que ela pode dar o melhor que é capaz de fazer, ajudar na lida da casa.
Mas e quando tudo terminar, se terminar, será ela capaz de encontrar o seu lugar num mundo novo ou regressará à sua inutilidade de fazer tiramisú para alguém que nem sabe distinguir tiramisú de uma tarte? Ficará livre para continuar a sua evolução individual ou ficará destroçada, pois já não tem mais controlo sobre eles, já não é mais precisa?
E nós, saindo da personagem, estamos prontos para libertar as pessoas que de uma forma ou de outra dependem de nós? Filhos, pais, irmãos, amigos, namorados, maridos? Estaremos prontos para o momento em que nos apercebemos, "já fiz o meu trabalho aqui, agora é momento de me virar para mim"? Ficaremos plenos ou vazios?
Apesar de acreditar que só perante as situações poderei saber como vou reagir, acho que fazer o exercício de visualização e colocarmo-nos nessa situação poderá ajudar a clarificar quem queremos ser. Por isso, creio que por muita dor que isso pudesse provocar, o desapego é sempre árduo, nesse momento é importante pormo-nos nos sapatos do outro e compreender a situação na perspectiva do outro. Se conseguirmos fazer isto, em qualquer situação de crise, conseguiremos sempre revelar a nossa tolerância e agir de forma altruísta.
Enquanto mulher temos papéis muito definidos na sociedade, cedo nos tornamos na dona de casa, na ajudante das lides domésticas, na amiga conselheira, na mãe que cria o filho, na educadora, enfim, como mulheres vamos crescendo cheias de dependências. Mas a todas também é dada a oportunidade de emancipação, ou aceitamos o nosso papel e a nossa escolha é permanecer essa mulher, ou escolhemos ser diferente e libertamo-nos. Nem sempre é fácil, mas nada é impossível quando a nossa Vontade está bem direccionada.
Atenção, este questionamento não é realizado para ninguém em particular, são divagações provocadas por um filme. Se ajudar alguém a questionar-se a si próprio, melhor, senão, tudo bem!
Num dia de São Felix de Valois, São Edmundo e de Saquiel, Regente da Energia de Júpiter
Shin
ResponderEliminartemos tido tão pouco tempo que este teu espaço vai sendo o lugar onde te encontro melhor.
Belo post este teu, grande questionamento, é verdade que nós enquanto mulheres criamos imensas dependências e não é nada fácil desapegarmo-nos, contudo a minha experiência diz-me que é possivel virarmo-nos para nós o que não deixa de criar algum desiquilibrio á nossa volta.
Cortar laços quando sentimos que os outros podem caminhar pelas suas pr´prias pernas e não só, é uma tarefa árdua e requer de nós muita perseverança, muita vontade de nos assumirmos como somos e não só como mãe,esposa,filha, etc.
Contudo somos confrontados com essa força toda a nossa vida.
Obrigada pela reflexão.
Um abraço de alma
Salamandra
Bom dia Shin Tau
ResponderEliminarMesmo que o “Ensaio sobre a Cegueira” fosse um completo fiasco acabou por ter um aspecto positivo e pedagógico com a sua/nossa reflexão sobre algumas características do ser humano em geral e das mulheres em particular.
Concordo consigo quando diz que o altruísmo é uma forma de egoísmo e eu até arrisco a dizer, talvez de arrogância. Voltamos à eterna questão do equilíbrio, se queremos dar temos de receber.
Quanto à tal senhora do filme que se anulava pelo marido mas que manipulava todos os outros. O facto de alguém manter um low-profile numa relação não significa que não é uma pessoa inteligente.
O anular-se na perspectiva dela não seria o desistir enquanto individuo, mas antes uma estratégia bem definida para manter uma relação, que ela considerava o mais importante, independentemente das razões que a assistissem, porque lhe dava suporte para situações onde ela exercitava todo um conjunto de técnicas de controlo.
Quanto aquele síndrome de abstinência característico das dependências que nos atinge a todos depois de um projecto concluído, quando perdemos o emprego ou quando os nossos filhos deixam casa para construir a sua vida, eu vou uma dar resposta económica: as monoculturas são o caminho para o desastre.
Na minha ilha há vários anos que a produção de leite é a grande e quase única fonte de rendimento dos lavradores. Se por qualquer razão de mercado os preços caírem como será?
O que nos remete para a primeira questão: por muito que a “limpeza” no nosso Karma nesta vida, passe por ser um bom pai ou uma boa mãe seria um desperdício reduzir a nossa passagem neste plano a isso. Ao conseguirmos cumprir essa parte do nosso contrato, vamos evoluir e quando evoluímos temos dúvidas e quando temos dúvidas procuramos eliminá-las e ao procurar eliminá-las geramos mais dúvidas. Isto é um projecto sem fim onde não se colocam síndromes de abstinência, ou como eu costumo dizer em relação aos pais, síndrome de ninho vazio.
A desorientação e angústia causada nestas situações resulta de uma dedicação completa e redutora a uma pessoa ou causa sem termos em atenção os equilíbrios que o Caminho exige.
Quanto às emancipações, independências e liberdades, para o lado de lá do véu são tudo evoluções que os seres humanos vêm a este plano para conseguir.
Saudações
O Viajante
Queridos companheiros,
ResponderEliminarmuito obrigada pelas vossas palavras, acrescentaram padaços e mais pontos de vista à minha perspectiva.
Lindo!
Luz e Amor