Avançar para o conteúdo principal

Fernando Pessoa e o Sol

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

Sempre adorei este poema do heterónimo de Fernando Pessoa e hoje percebo melhor porquê. Este poema para mim reflecte muito bem a lâmina do Tarot XIX- O Sol. Nesta carta a lição a retirar é que o mundo já não é um ensinamento, que depois de todas as provas o Herói pode finalmente desfrutar da alegria de viver, de um mundo interior pleno e calmo. Enquanto que na carta anterior, A Lua, o herói começava ligar-se ao seu Eu Interior aqui a ligação é completa. Esta carta mostra-nos que o objectivo da nossa viagem é o de nos voltarmos a religar com o Cosmos, limpando todas as ideias formatadas de divisão, de dualidade, de isolamento, para podermos finalmente aproveitar a vida como fazíamos quando éramos crianças naquelas tardes de sol típicas das férias, em que partíamos à aventura pelo simples facto de ser uma aventura e sem interesses no que poderíamos descobrir.
As duas crianças nesta carta mostram-nos exactamente isso, elas estão a brincar naturalmente por baixo do Sol, que as banha com a sua energia. O facto de termos aqui duas crianças não é obviamente um pormenor, mas sim um símbolo que nos pode ajudar a compreender parte da viagem.
A criança é o que nos liga ao nosso Eu, quem tiver o seu Jardim Secreto, o Jardim da Primavera, como eu lhe chamo, sabe perfeitamente como é a sua criança. Quando começamos a crescer, faz parte do processo começarmos a definir o nosso Ego, e à medida que o vamos fazendo, a criança vai-se ofuscando. Numa segunda fase da nossa vida, depois de termos colocado a nossa marca no exterior e dominado o Ego, voltamo-nos para dentro e partimos na busca da criança perdida, pois ela já existia antes e existirá depois de nos irmos, ela é e sempre será, por isso se torna fundamental que a reconheçamos.

Esta separação que é feita é extremamente importante pois é sempre necessário separar o corpo do espírito, compreendendo cada um separadamente, para depois em consciência poder voltar a uni-los. Só assim poderá surgir a harmonia do casamento místico dos opostos.

Quanto ao Sol, que dá o seu nome à carta, ele representa a esperança que temos na Ordem do Cosmos. Todas as noites nos despedimos dele, mas sabendo que de manhã quando acordarmos tudo estará em ordem, o Sol terá voltado da sua Viagem pelo Mar Nocturno e já estará alto no firmamento, irradiando a sua energia vital para que possamos crescer e viver.

Este astro foi e sempre será adorado pelo Ser Humano exactamente pela sua importância para a vida neste Planeta. Assim, esta carta pressupõe uma iluminação por parte do herói, mas como Buda disse:

Todos os seres nascem iluminados, mas é preciso uma vida inteira para descobri-lo.
O Sol traz-nos a luz ao pensamento e à vida, ele mostra-nos que nós deveremos ser o centro do nosso mundo e que com a presença do muro, que nos protege, mostra também que ele está dentro de nós e que poderemos sempre irradiar a nossa luz interior para o exterior, mas isso só poderá ser possível se soubermos bem quem somos.

Num dia de Lua, do Arcanjo Gabriel e de São Ivo

Comentários

  1. Querida amiga,
    Há já algum tempo que sinto que pensar no mundo é de facto não comprender nada, ou muito pouco, do mesmo. Ainda é longa a caminhada que tenho de percorrer para aceitá-lo tal e qual como ele é. Por vezes sofro com essa necessidade de compreender tudo e esgoto-me com a ansiedade que me domina ao querer fazê-lo.
    Não sei se faz algum sentido, mas é como se eu me entedesse melhor espiritualmente do que fisicamente. Talvez um dia ganhe coragem e escreve um pouco sobre este tema nos "Momentos".
    Não conhecia Mogwai. Gostei bastante. Obrigada pela partilha.
    Um beijo na testa (sinal de respeito).

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Grata pelas tuas palavras e que o Amor e a Harmonia acompanhem os nossos passos!

Mensagens populares deste blogue

O círculo e a cruz - significado 3

O círculo e a cruz - significado 1 O círculo e a cruz - significado 2 Este glifo também foi escolhido para representar o símbolo do feminino, o que também está profundamente associado a Vénus. Vénus representa uma diferenciação do feminino lunar, que está mais associado ao arquétipo materno. Vénus representa o feminino em si, a noção de fêmea e mulher. No mapa astral de uma mulher, Vénus revelará as qualidades que a mulher se identifica para se definir como mulher, como a mulher lida e expressa sua feminilidade. No mapa de um homem, Vénus mostra como ele lida com seu lado feminino e qual é seu arquétipo de mulher, quais as qualidades que, para ele, uma mulher deverá ter. Além disso, em Vénus começa-se a manifestar a expressão de amor/sexualidade, e amor/paixão (identificação excessiva com o outro). Este processo complementa-se com o planeta a seguir, Marte, mas tem início em Vénus. Vénus revela a necessidade passivo/feminina de tornar-se desejado, atraente, sedutor. Marte com

Chockmah e Binah

No último texto de Cabala falámos sobre Kether e dissemos que para esta esfera e as suas qualidades se manifestarem teria de haver a forma e a acção. Assim é a razão pela qual estas duas esferas se manifestaram: Chockmah, a Sabedoria, foi a força que saiu da Coroa, foi o impulso da criação, o instinto divino, representa o Pai na sua capacidade criadora, o fogo, o masculino, e Binah, o Entendimento, é a forma da criação, é o campo necessário para que a criação se realize, é a Mãe, o feminino. É necessário falar destas duas esferas em conjunto, mais do que as outras, por elas serem os opostos, por elas comporem a tríade divina, o triângulo superior de onde descemos para integrar esta vida. Kether dividiu-se nas suas duas polaridades, a sua energia andrógina deu origem aos opostos e assim se criou o princípio masculino e o princípio feminino. Primeiro foi Chockmah que surgiu no seu ímpeto de criar, aqui ficaram reunidas toda a Força e Acção, esta esfera encerra em si toda a Sabedoria

A Torre e o Pajem de Espadas

A semana que terminou esteve a ser influenciada pela energia da Torre. Espero que o raio divino não tenha sido muito severo, por estas bandas as coisas correram de forma fluída e não houve grandes catástrofes. Contudo, o registo de hoje serve para reflectir sobre um insólito desta semana. Nunca tal me havia acontecido, durante 4 dias consecutivos a energia do dia foi o Pajem de Espadas. Quando na 4.ª feira saiu, meditei e avancei. Na 5.ª a mesma coisa, mas até aí nada de estranho, é comum acontecer sair dois dias seguidos a mesma carta. Na 6.ª outra vez e aí registei o insólito, mas foi só mesmo quando no sábado me voltou a sair o Pajem de Espadas que parei e pensei: «Isto não é normal!» Ora pois então vamos lá ver o que nos diz este Pajem na semana da Torre. Go your own road  by ~alltelleringet O naipe de Espadas está relacionado com o Ar, portanto a nossa expressão. Sendo o Pajem a primeira figura da corte representa o aspecto mais denso, a Terra. Desta forma o Pajem de Esp